Novas Perspectivas na Educação do Século XXI.
A Práxis Transformadora e a Futuridade Histórica.
Currículo de Moacir Gadotti:
Licenciado em Pedagogia e em Filosofia, Doutor em Ciências da Educação
pela Universidade de Genebra é, atualmente, professor titular da
Universidade de São Paulo e diretor do Instituto Paulo Freire. Foi Chefe de
Gabinete da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo na gestão de
Paulo Freire. Tem um grande número de livros publicados onde desenvolve
uma proposta educacional orientada pelo paradigma da sustentabilidade.
Entre os livros publicados por Moacir Gadotti, traduzidos em diversas
línguas, destacam-se: História das idéias pedagógicas, Pedagogia da Práxis,
Paulo Freire: uma biobibliográfica, Pedagogia da Terra, Um legado de
esperança e Os Mestres de Rousseau.
O conhecimento tem presença garantida em qualquer projeção que se faça do
futuro. Nesse contexto, as perspectivas para a educação no Século XXI são
otimistas. A pergunta que se faz é: qual educação, qual escola, qual aluno, qual
professor, qual currículo, qual sistema de ensino. A práxis transformadora visando à
futuridade histórica nos leva a refletir sobre a necessidade de superar a lógica
desumanizadora que tem no individualismo, na competitividade e no lucro seus
fundamentos.
Nesta conferência buscarei compreender a educação no contexto da
globalização neoliberal e de sua alternativa, a planetarização. No ano em que
lembramos os 10 anos do falecimento de Paulo Freire, nossos corações e mentes,
como educadores, estão voltados à educação para um outro mundo possível, uma
educação para a sustentabilidade.
Não se pode mudar o mundo sem mudar as
pessoas: mudar o mundo e mudar as pessoas são processos interligados. No Século
XXI, numa sociedade que utiliza cada vez mais as tecnologias da informação, a
educação tem um papel decisivo na criação de outros mundos possíveis, mais
justos, produtivos e sustentáveis para todos e todas.
Educar para um outro mundo possível é uma expressão cheia de significados.
Podemos começar por entender melhor alguns deles. Ela supõe que o projeto de
mudança do mundo implica uma visão educacional.
O que é, então, educar para um
outro mundo possível. John Holloway, em seu livro Mudar o mundo sem tomar o
poder, nos mostrou que educar para um outro mundo possível é educar para
dissolver o poder, para democratizá-lo radicalmente. Esse é o objetivo da
revolução. Devemos superar as relações de poder pelo reconhecimento mútuo da
dignidade de cada pessoa. É entender o poder como capacidade de fazer, como
serviço, afirmando que nós é que podemos mudar o mundo, nós, as pessoas
comuns, temos essa capacidade de mudar o mundo. Por isso, educar para um outro
mundo possível é educar para conscientizar (Paulo Freire), para desalienar, para
desfetichizar.
O fetichismo da ideologia neoliberal é o fetiche da lógica capitalista
que consegue solidificar-se a ponto de fazer crer que o mundo é naturalmente
imutável. O fetichismo transforma as relações humanas em fenômenos estáticos,
como se fossem impossíveis de serem modificados. Fetichizados, somos incapazes
de agir porque o fetiche rompe com a capacidade de fazer. Fetichizados apenas
repetimos o já feito, o já dito, o que já existe.
Educar para um outro mundo possível é visibilizar o que foi escondido para oprimir,
é dar voz aos que não são escutados. A luta feminista, o movimento ecológico, o
movimento zapatista, o movimento dos sem terra e outros, tornaram visível o que
estava invisibilizado por séculos de opressão.
Paulo Freire foi um exemplo de
educador de um outro mundo possível, colocando no palco da história o oprimido,
visibilizando o oprimido e sua relação com o opressor. Educar para um outro mundo
possível deve incluir uma pedagogia das ausências (Boaventura Souza Santos), isto
é, mostrar o que foi ausentado historicamente pelas culturas dominantes, aquilo
que foi tornado estranho pela sobrevalorização do científico em detrimento do nãocientífico,
pelo não reconhecimento do saber de experiência feito, pela
sobrevalorização do produtivo em detrimento do não-produtivo. Não há justiça
social sem justiça cognitiva.
Educar para um outro mundo possível é educar para a
emergência do que ainda não é, o ainda - não, a utopia.
Assim fazendo, estamos assumindo a história como possibilidade (Freire) e não
como fatalidade. Por isso, educar para um outro mundo possível é também educar
para a ruptura, para a rebeldia, para a recusa, para dizer não, para gritar, para
sonhar com outros mundos possíveis. Denunciando e anunciando.
O neoliberalismo concebe a educação como uma mercadoria, reduzindo nossas
identidades às de meros consumidores, desprezando o espaço público e a dimensão
humanista da educação. Opondo-se a esse paradigma, a educação para um outro
mundo possível respeita e convive com a diferença, promovendo a
intertransculturalidade (Paulo Roberto Padilha).
O núcleo central da concepção
neoliberal da educação é a negação do sonho e da utopia. Por isso, uma educação
para um outro mundo possível é, sobretudo, a educação para o sonho, uma
educação para a esperança.
A mercantilização da educação é um dos desafios mais decisivos da história atual,
porque ela sobre valoriza o econômico em detrimento do humano. Só uma
educação emancipadora poderá inverter essa lógica, através da formação para a
consciência crítica e para a desalienação.
Educar para um outro mundo possível é
educar para a qualidade humana para além do capital (István Mészáros). A
globalização capitalista roubou das pessoas o tempo para o bem viver e o espaço
da vida interior, roubou a capacidade de produzir dignamente as nossas vidas: cada
vez mais gente é reduzida a máquinas de produção e de reprodução do capital.
Educar para um outro mundo possível é fazer da educação, tanto formal, quanto
não-formal, um espaço de formação crítica e não apenas de formação de mão-deobra
para o mercado; é inventar novos espaços de formação alternativos ao
sistema formal de educação e negar a sua forma hierarquizada numa estrutura de
mando e subordinação; é educar para articular as diferentes rebeldias que negam
hoje as relações sociais capitalistas; é educar para mudar radicalmente nossa
maneira de produzir e de reproduzir nossa existência no planeta, portanto, é uma
educação para a sustentabilidade.
Não se pode mudar o mundo sem mudar as pessoas: mudar o mundo e mudar as
pessoas são processos interligados. Mudar o mundo depende de todos nós: é
preciso que cada um tome consciência e se organize em multidões (Negri & Hardt).
Educar para um outro mundo possível é educar para superar a lógica
desumanizadora do capital que tem no individualismo e no lucro seus fundamentos,
é educar para transformar radicalmente o modelo econômico e político atual.
É educar para viver em rede, ser capaz de comunicar e agir em comum; é educar
para produzir formas cooperativas de produção e reprodução da existência humana,
educar para a autodeterminação. A diversidade é a característica fundamental da
humanidade. Por isso não pode haver um único modo de produzir e de reproduzir
nossa existência no planeta.
O que há de comum é a diversidade humana. A
diversidade humana impõe a necessidade de construir a diversidade de mundos. A
educação tecnicista moderna perdeu a humanidade, perdeu a criança, a abertura
para o outro. Educar para um outro mundo possível é educar pare re-humanizar a
própria educação.
Não fomos educados para ter uma consciência planetária e sim a consciência do
Estado-nação (Michael Hardt & Antonio Negri). Os sistemas nacionais de educação
nasceram como parte da constituição do Estado-nação.
A escola atual é resultado
do pensamento da modernidade (Hegel-Marx), modelada pelos Estados-nação e
não pelo pensamento da era da globalização/planetarização.
Educar para um outro mundo possível exige dos educadores um compromisso pela
desmercantilização da educação e uma postura ético-eco-pedagógica de escuta do
universo, do qual as todos fazemos parte constituinte. Os educadores não devem
dirigir-se apenas a alunos ou educandos, mas aos habitantes do planeta,
considerando-os a todos e a todas como cidadãos da mesma Mátria (Edmund O
Sullivan; Leonardo Boff).
A terra é nosso primeiro grande educador. Educar para um outro mundo possível é
também educar para encontrar nosso lugar na história, no universo. É educar para
a paz, para os direitos humanos, para a justiça social e para a diversidade cultural,
contra o sexismo e o racismo. É educar para a consciência planetária. É educar para
que cada um de nós encontre o seu lugar no mundo, educar para pertencer a uma
comunidade humana planetária, para sentir profundamente o universo.
É educar
para a planetarização e não para a globalização. Vivemos num planeta e não num
globo. O globo refere-se à sua superfície, a suas divisões geográficas, a seus
paralelos e meridianos. O globo refere-se a aspectos cartoriais, enquanto o planeta,
ao contrário dessa visão linear, refere-se a uma totalidade em movimento. A terra
é um superorganismo vivo e em evolução. Nosso destino, enquanto seres humanos,
está ligado ao destino desse ser chamado terra.
Educar para um outro mundo
possível é educar para ter uma relação sustentável com todos os seres da terra,
sejam eles humanos ou não.
É educar para viver no cosmos educação planetária, cósmica e cosmológica
ampliando nossa compreensão da terra e do universo. É educar para ter uma
perspectiva cósmica. Só assim poderemos entender mais amplamente os
problemas da desertificação, do desflorestamento, do aquecimento da Terra e dos
problemas que atingem humanos e não-humanos.
Os paradigmas clássicos,
arrogantemente antropocêntricos e industrialistas, não têm suficiente abrangência
para explicar essa realidade cósmica. Por não ter essa visão holística, não
conseguiram dar nenhuma resposta para tirar o planeta da rota do extermínio e do
rumo da cruel diferença entre ricos e pobres.
Os paradigmas clássicos estão
levando o planeta ao esgotamento de seus recursos naturais. A crise atual é uma
crise de paradigmas civilizatórios. Educar para um outro mundo possível supõe um
novo paradigma, um paradigma holístico.
Fonte: Disponível em: <http://www.cifa.org.br/gestionale/upload/cms/elementi_portale/documentale/Novas_Perspectivas_para_a_educa%C3%A7%C3%A3o_no_S%C3%A9culo_XXI.pdf> Acesso em 20 de agosto de 2013.
By Silvério Silva, Cursando Letras, Faculdade Anhanguera São José, 2º Semestre/2013.
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